por Shipeni Tovela
Numa iniciativa sem precedentes, a Anadarko Moçambique Área 1 (AMA 1), em parceria com o Ministério dos Recursos Minierais e Energia de Moçambique, realizou no dia 10 de Agosto de 2018, na cidade de Pemba, em Cabo Delgado, o “Seminário de Oportunidades Locais”, com o objectivo central de informar as empresas moçambicanas sobre as oportunidades de negócio no âmbito da implementação do projecto de Gás Natural Liquefeito (GNL), em Moçambique.
É bem de ver que não só o Governo está empenhado em garantir que os grandes empreendimentos da indústria extractiva criem oportunidades de negócio/geração de renda para nacionais, mas as concessionárias também estão alinhadas na materialização desse desígnio de interesse nacional.
Pretendemos apresentar alguns pontos de reflexão relativos à questão do conteúdo local, numa altura em que está em preparação um instrumento jurídico para disciplinar a matéria, e ser por isso oportuno o debate.
De facto, as indústrias extractivas possuem potencial para acelerar o crescimento económico dos países de acolhimento através, por exemplo, da criação de emprego para os nacionais, promoção de indústrias locais de processamento a jusante e empresas provedoras de bens e serviços locais, da transferência de tecnologia e competências, entre outros benefícios.
A nível mundial, a tendência dos países com tradição na indústria extractiva ou dos que começam a emergir no acolhimento de projectos de investimento nesse sector tem sido de adoptar, na respectiva legislação, requisitos de conteúdo local que assegurem o uso sustentável dos recursos naturais, por forma a desenvolver uma indústria diversificada que gere riqueza para além do tempo em que tais recursos estejam esgotados. Nesse contexto, vem se notando um movimento no sentido de concepção de instrumentos adequados e orientados para o reinvestimento local da riqueza gerada pela exploração desses recursos.
Primeiro, importa lembrar que alguns princípios de conteúdo local podem ser encontrados na Lei n.º 15/2011, de 10 de Agosto (comummente designada a “Lei dos Megaprojectos”, actualmente em processo de revisão), a qual recita entre, outros, a necessidade de se estabelecer parcerias empresariais entre as PPP’s, Projectos de Grande Dimensão e Concessões Empresariais e as micro, pequenas e médias empresas.
Na legislação mineira, o artigo 19 do Regulamento da Lei de Minas (aprovado pelo Decreto nº 31/2015, de 31 de Dezembro), estabelece requisitos relativos ao conteúdo local, os quais se resumem no seguinte:
- Preferência por produtos e serviços “moçambicanos” – os titulares e contratados devem dar preferência a bens e serviços locais (moçambicanos) sempre que disponíveis no tempo e qualidade exigidos, e quando o seu preço, impostos incluídos, não for superior a 10% (dez por cento) aos preços das mercadorias importadas disponíveis.
- Preferência por pessoas singulares e colectivas moçambicanas – este princípio estabelece que os concessionários, na aquisição de bens e serviços, devem assegurar que as pessoas singulares e colectivas estrangeiras estejam associadas a pessoas singulares e colectivas moçambicanas, em termos a acordar pelas partes.
- Como regra geral, a aquisição de bens e serviços no sector de mineração deve ser executada através de licitação pública.
- No entanto, existem algumas referências que devem ser seguidas relativamente aos limites mínimos a partir dos quais a contratação deve ser precedida de uma proposta: – este limite mínimo é de 15.000.000 MT (quinze milhões de meticais), o que corresponde a aproximadamente 900.000,00 USD (novecentos mil dólares dos Estados Unidos da América).
Na legislação petrolífera, o artigo 55 do Regulamento das Operações Petrolíferas (aprovado pelo Decreto nº 34/2015, de 31 de Dezembro), estabelece os requisitos relativos ao conteúdo local, os quais se resumem no seguinte:
- Preferência por produtos e serviços “moçambicanos” – os bens e serviços locais (moçambicanos) terão preferência sempre que disponíveis no tempo e qualidade exigidos, e quando o preço, impostos incluídos, não for superior, não exceder 10% (dez por cento) , aos preços das mercadorias importadas disponíveis.
- Preferência por pessoas singulares e colectivas “moçambicanas” – este princípio estabelece que os concessionários, no processo de aquisição de bens e serviços, devem garantir que as pessoas singulares e colectivas estrangeiras estejam associadas a pessoas singulares e colectivas moçambicanas. Esta obrigação tem a finalidade de criar oportunidades para a transferência gradual da capacidade operacional e intensificar o desenvolvimento do país.
- Aquisição de bens e serviços através de leilão – este princípio defende que, como regra geral, a aquisição de bens e serviços, de acordo com as Operações Petrolíferas, tem de ser executada através de concurso público. No caso específico do Regime Geral, este limite é fixado em 40.000.000,00 MZN (quarenta milhões de meticais), o que corresponde a aproximadamente USD 660.000,00 (sessenta e seis mil dólares dos Estados Unidos da América).
Ora, esperamos que a Lei de Conteúdo Local, venha, de forma mais estreita, responder às questões mais candentes relativas ao conteúdo local na indústria extractiva mineira e de hidrocarbonetos, que não couberam no regime das leis de minas e de petróleo, acima referidas.
Portanto, mesmo sem acesso à versão mais recente da proposta de Lei de Conteúdo Local, entendemos que o legislador deverá prestar especial atenção, dentre outras, à inclusão de disposições destinadas a dimensionar as oportunidades para o mercado local para que essas normas possam gerar de facto um impacto na economia local e não sejam apenas normas programáticas. Pense-se, por exemplo, atento à fraca capacidade do empresariado local, numa medida que obrigue, sempre que possível, ao fraccionamento de contratos em subcontratos por forma a evitar que os fornecedores locais sejam automaticamente excluídos devido, por exemplo, à incapacidade de prestarem cauções que, atento ao valor do contrato globalmente considerado, não poderiam suportar. Entendemos também que a lei deverá dar um tratamento especial à questão da certificação dos bens e serviços, sob pena de, no fim do dia, grosso modo das pequenas e médias empresas ficarem excluídas do negócio.
Por fim, reiteramos que o reforço dos requisitos de conteúdo local através de regulamentos adequados tem sido visto como um importante catalisador do crescimento económico. Apraz-nos notar que a legislação mineira e petrolífera moçambicana em processo de evolução segue essa tendência embora de forma ainda bastante tímida. Reconhecemos, porém, que no processo de concepção de requisitos de conteúdo local é necessário cautela, por forma a adoptar regras que sejam economicamente eficientes e produzam, em concreto, impacto na economia local ao invés de simplesmente promoverem um cumprimento formal da lei sem maiores consequências. Este compromisso com o desenvolvimento local deve, para além dos Estados, ser também e sobretudo assumido pela própria indústria extractiva, porquanto a aceitação desta pelas comunidades locais passa por estas demonstrarem vivamente a sua contribuição para o desenvolvimento dos países que as acolhem.